Revolução dos Pagamentos e a Nova Relação Com o Dinheiro
*Por
Daniel Bergman
O boom das fintechs chegou
ao Brasil e segue por aqui em seu auge. De acordo com o último levantamento do
Radar FintechLab, houve um aumento de 33% no número dessas instituições entre
agosto de 2018 e junho de 2019. A adesão a esses serviços foi grande, em parte
por fornecerem benefícios e facilidades para atividades do dia a dia, mas
também em virtude do grande número de desbancarizados no país - 45 milhões de
pessoas, de acordo com o Instituto Locomotiva.
A maior oferta de serviços financeiros culminou na redução de market share dos
bancos tradicionais, que passaram a buscar formas de se digitalizar para não
perder clientes. O aumento do mercado de terminais POS (as famosas maquininhas
de cartão), também levou a uma grande pulverização desse serviço, e pequenos
empreendedores passaram a aceitar essa forma de pagamento.
Em diferentes partes do mundo, essa tecnologia tem se adaptado para atender as
necessidades locais. Na China, por exemplo, referência em carteiras digitais e
pagamentos instantâneos, o crescimento intenso ocorreu também porque lá os
cartões de crédito não eram tão populares quanto aqui. Esse fator, aliado ao
alto grau de desenvolvimento tecnológico do país e investimento em inteligência
artificial, permitiu que eles saíssem na frente.
O dinheiro de papel já é raridade no país asiático, e o avanço foi tão rápido
que até o QR Code já começa a ser uma tecnologia mais antiga por lá. Agora, as tecnologias
de pagamento por reconhecimento facial começam a despontar. O Alipay, por
exemplo, empresa do Grupo Alibaba, já implantou dispositivos para permitir esse
tipo de transação em mais de cem cidades no país.
Os gigantes Alibaba e Tencent correspondem a 90% dos 17 trilhões de dólares do
mercado local de pagamentos móveis, de acordo com a consultoria CGAP. O número
de usuários de pagamentos móveis está estimado de 577 milhões em 2019, com
aumento previsto para 700 milhões em 2022.
Já na Índia, um case muito interessante é o da Paytm, empresa que iniciou as
operações com oferta de recargas de celular e cresceu fornecendo serviços
financeiros a pessoas desbancarizadas, se tornando a startup mais valorizada do
país. Já na Suécia, onde a realidade é bastante diferente e não havia um
problema de acesso a serviços bancários, o Banco Central fomentou a criação de
uma interface de transferências e pagamentos, para facilitar as movimentações
entre instituições financeiras e reduzir taxas. Com isso, as novas tecnologias
levaram o dinheiro de papel a praticamente desaparecer por lá.
O fato é que essa tecnologia caminha a passos largos, mas de formas diferentes
ao redor do mundo, se adaptando para resolver as dores locais, encontrando
desafios e oportunidades únicas por onde passa. Assim ocorre também no Brasil,
onde o QR Code tem sido amplamente utilizado em restaurantes e bancas de
jornal, além de estar sendo testado em estações de trens e metrôs, e o Banco
Central estuda a unificação do padrão que será utilizado pelas diversas
empresas que promovem pagamentos instantâneos no país, visando facilitar a vida
do consumidor.
A intensa concorrência colabora para a educação do consumidor em relação ao uso
da tecnologia e a criação do hábito. Ainda temos muito a fazer, tanto em
inclusão quanto em termos de melhoria de serviços e facilitação do dia a dia. É
provável que o dinheiro de papel não desapareça por aqui - ao menos não tão
cedo - como ocorreu em outros países, mas grandes mudanças podem sim ser
esperadas. De acordo com o Global Payments Report 2017 da Worldpay, o uso de
aplicativos de pagamentos no Brasil deve passar dos 15% atuais para 31% em
2021.
Nesse mercado, não é mais o grande player que deixa o pequeno para trás, mas o
mais rápido e inovador que provoca grandes transformações que reverberam na
sociedade e, pouco a pouco, mudam a forma de consumir e transacionar como
conhecemos hoje.
*Daniel Bergman é CEO da MovilePay, fintech de soluções
financeiras do Grupo Movile.